Quando pensamos em comprar carne bovina, imaginamos um típico açougue com um display, carnes e cortes para serem escolhidos, e o açougueiro, que escolhe só o que há de melhor para seus clientes. Sendo essa a forma tradicional mais comum de oferecer carne ao consumidor, esse toque pessoal nos dá certa segurança e um espírito de confiança.
No entanto, a tendência é a venda massiva e nos locais de fornecimento de venda rápida e segura, como grandes supermercados ou açougues boutique. A carne fresca, comercializada nesses lugares, não tem tanto manuseio por parte dos operários e tem uma vida útil maior.
Para se obter ótima qualidade do produto cárneo, é imprescindível que ele seja embalado a vácuo, um investimento importante na forma de armazenamento e venda da carne, seja para o mercado doméstico ou externo.
A vida útil dos alimentos pode ser definida como o tempo máximo em que se mantêm suas qualidades nutricionais, sensoriais, microbiológicas e de inocuidade em níveis aceitos pelos consumidores. A produção de alimentos requer a aplicação de diversas tecnologias para garantir a qualidade do produto ao longo da cadeia produtiva sob um contexto de comércio globalizado no qual geralmente se preferem aqueles alimentos percebidos como frescos.
No caso da carne, a deterioração é um processo complexo no qual ocorrem diferentes mecanismos químicos e biológicos que deixam o produto inaceitável. Além da oxidação das gorduras e as reações enzimáticas que podem ocorrer, a deterioração da carne é o resultado da atividade de micro-organismos que crescem sobre a superfície dele devido a suas condições ideais em nutrientes. A modificação de tais parâmetros, como temperatura de armazenamento e disponibilidade de O2, controla o crescimento dos micro-organismos que conseguiram se estabelecer sobre a superfície da carne ao término do processo de abate animal e desossa da carne.
A embalagem a vácuo mantém as características sensoriais e organolépticas do alimento por um tempo maior em consequência do impedimento do crescimento de micro-organismos aeróbios degradadores, como Pseudomonas spp. e Enterobacteriaceae, normalmente encontrados em carnes.
A combinação da embalagem a vácuo com condições de armazenamento a baixas temperaturas (entre -1°C e 4°C) favorece a seleção de espécies anaeróbicas facultativas e psicrotróficas que se desenvolvem lentamente e têm menor potencial de gerar substâncias que possam ser rejeitadas pelos consumidores. Em carnes resfriadas embaladas a vácuo com um pH entre 5,3 e 5,8, as bactérias acidolácticas são as que mais se desenvolvem; e, entre elas, as que pertencem aos gêneros Lactobacillus, Leuconostoc, são as responsáveis pela produção de odores fortemente láticos e ácidos quando sua contagem alcança 10[7] UFC/g. Além disso, é possível que desenvolvam, nessas condições, bactérias produtoras de gases, como algumas espécies pertencentes ao gênero Clostridium e bactérias gram-negativas da família Enterobacteriaceae. A produção de gases por essas bactérias dentro da embalagem ocasiona sua distensão, provocando a rejeição do produto, com consequentes perdas econômicas.
O método de embalagem a vácuo consiste na eliminação total de oxigênio que o produto tem dentro de sua embalagem. Dessa forma, evita-se a oxidação e putrefação da carne, prolongando sua vida útil. Uma atmosfera livre de oxigênio retarda a ação de bactérias e fungos, possibilitando o consumo do produto por um período maior de armazenamento. Os cortes cárneos embalados a vácuo continuam evoluindo ao continuarem com suas atividades respiratórias devido à ocorrência de uma diminuição na porcentagem de oxigênio, o que aumenta o vácuo e eleva a concentração de dióxido de carbono e vapor d’água.
Nesse processo, não se utiliza nenhum conservante. A vida útil da carne é de até 120 dias, mantida a uma temperatura média que vai de -1°C a 4°C. Quanto mais próxima a temperatura for mantida de -1 grau, maior será a vida útil da carne. Um estudo realizado recentemente demonstrou que a durabilidade da carne chega aos 120 dias de maneira satisfatória a uma temperatura de 0°C.
Dentre as vantagens do método de embalagem a vácuo, estão a proibição da oxidação provocada pelo oxigênio (e, portanto, a putrefação é nula); estabilização do sabor e frescor da carne diante da falta de perdas por líquidos ou gorduras; realização de compras de volume e racionalização em porções, favorecendo a logística e comercialização; criação de sistemas de resguardo para cortes na cadeia de frio; e prolongamento da vida útil da carne, dependendo da temperatura de armazenamento (estudos recomendam dois meses a temperaturas de 4°C, e quatro meses a 0°C).
Para fazer um estudo profundo do controle de qualidade, em seguida estão três itens a serem analisados:
• A inspeção da embalagem, na qual se analisam os defeitos dela, com categorias que vão desde: 1) menor, com presença de pequenas bolhas no exsudado; 2) maior, presença de ar entre o produto e a embalagem; ou 3) crítico, no qual há uma total falta de vácuo. Somente no nível 1 é que se considera a embalagem aceitável;
• Testes físico-químicos, com medição de pH (que deve estar entre 5,3 e 5,8), rancidez oxidativa, volume do exsudado e porcentagem de gotejamento (considera-se aceitável entre 3% e 5%);
• Análise microbiológica, na qual se medem as colônias de bactérias acidolácticas, esperando-se um maior desenvolvimento (Lactobacillus, Leuconostoc e Carnobacterium), que são as responsáveis, e aqui faço um reforço, pela produção de odores fortemente láticos e ácidos quando sua contagem alcança 10[7] UFC/g. Também, em menor grau, podem se desenvolver colônias de Clostridium e bactérias gram-negativas que produzem gases dentro da embalagem, provocando o recall do produto e perdas econômicas.
Aspectos sensoriais
O aroma e a coloração estão entre os aspectos sensoriais a serem levados em consideração na hora de realizar uma análise da conservação do produto por um consumidor.
A coloração da carne embalada a vácuo
Nos cortes embalados a vácuo, ativa-se a produção de desoximioglobina, que retarda a oxidação; e, finalmente, o corte embalado permanece com uma coloração vermelho-púrpura (escurecimento), que vira até um vermelho brilhante original após dez minutos de abertura da embalagem. De acordo com isso, uma carne que não recupera sua coloração logo depois de aberta na embalagem não é aceitável sensorialmente.
A coloração que a carne em um mau estado de conservação tem, na realidade, é a cor marrom apagado devido à desidratação e oxidação (envelhecimento) por ter ficado muito tempo exposta ao ar. Se forem observadas tonalidades verdes na embalagem, esta cor indica processos de decomposição ou contaminação devido à perda da integridade da embalagem (perda de vácuo) no processo de distribuição e venda.
O aroma da carne embalada a vácuo
Na carne embalada a vácuo, o primeiro aroma sentido ao se abrir a embalagem determina a aceitação ou rejeição por parte dos consumidores. Um primeiro aroma levemente ácido, que se dissipa em poucos minutos, deixando o cheiro característico de carne crua, é normalmente aceito, porém, um aroma ácido persistente no tempo leva à rejeição.
Ao abrir a bolsa de carne embalada a vácuo, poderá ser apreciado um suave aroma ácido lático, que ocorre devido ao confinamento de gases gerados pela carne e bactérias láticas. Esse cheiro é indicativo de que o produto está embalado corretamente e em ótimas condições de consumo, e desaparecerá em questão de poucos minutos.
A carne embalada a vácuo maturada e sua qualidade melhorada
O processo de maturação da carne não necessita de oxigênio. Portanto, a carne embalada a vácuo pode ser maturada graças às enzimas naturais que possui durante o armazenamento. Isso é o que se chama de maturação úmida.
A carne não perde sua qualidade em maciez; muito pelo contrário: ao ser guardada em câmaras por vários dias, a vácuo, a temperaturas entre -1°C e 4°C (em refrigeração), fica mais macia devido à ação das próprias enzimas da carne.
Este artigo detalhou os pontos mais relevantes por trás da embalagem a vácuo, que, por meio da aplicação dos benefícios da cadeia da carne, oferecem confiança ao consumidor. Em relação às carnes de qualidade, a apresentação correta desses produtos, tal como a carne wagyu, orgânica, com alimentação do gado com pasto, ou de forma pastoril, é uma condição fundamental, porque tem um valor agregado que o justifica. A durabilidade desempenha um papel relevante, visto que esses produtos premium são de baixa rotatividade devido ao seu elevado preço de comercialização.
Obter um produto com essas características demora anos na criação do gado e fortes investimentos. Se no momento de sua comercializado não estiver em condições aceitáveis, isto será um grave erro para a indústria e o consumidor. Diante disso, soma-se ao que foi discutido uma crescente demanda por produtos não congelados, sobretudo em restaurantes muito requintados, nos quais os chefs se recusam a congelar a carne, já que este congelamento afetaria suas características organolépticas.
Meus mais sinceros agradecimentos a Cecilia Catalán, da empresa Sergio Catalán SA, que colaborou comigo na elaboração deste artigo técnico.
O veterinário Abel Forlino é diretor e fundador da Wagyu 360°, uma empresa dedicada à assessoria da produção e comercialização de carne wagyu e demais carnes de alta qualidade. É especialista na cadeia da carne bovina, com ênfase em genética, reprodução e manejo animal. Tem graduação em Ciências Veterinárias pela Universidade Nacional do Litoral, na província argentina de Santa Fé.
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