O objetivo da primeira parte deste artigo técnico consiste em compreender, amplamente, os fatores relevantes na qualidade da carne bovina. Ela é definida como um conjunto de propriedades, tais como percepção sensorial, aparência, coloração, sabor, aspecto tenro ou maciez, suculência, retenção de água e aroma. Somada à característica anterior, a qualidade também se reflete na sensação de frescor e na inocuidade, ou ausência de agentes infecciosos e toxinas.
Sobretudo nos últimos 30 anos, uma grande parcela de especialistas vem realizando pesquisas científicas sobre os fatores produtivos e seu impacto nas etapas pré e pós-abate animal. Esses estudos e seus resultados têm gerado um investimento notável em toda a cadeia cárnea, indo desde a genética, passando pelo manejo, bem-estar e alimentação dos animais, até a redução de estresse destes antes de entrarem na planta frigorífica.
A somatória dessas mudanças positivas que englobam tanto as empresas produtoras quanto as plantas de abate animal em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos, tem, como objetivo final, entre outros, o oferecimento de um produto cárneo de alta qualidade ao consumidor final. Dessa forma, o sabor possui um grande impacto na palatabilidade e aceitabilidade do produto e, portanto, está no centro das atenções dos pesquisadores norte-americanos.
Um estudo proveniente dos EUA, de Quinn, Legako, Brooks e Miller, da Universidade Estadual do Kansas e da Universidade Texas Tech, ressalta que o aspecto tenro, a suculência e o sabor da carne contribuem com a satisfação da experiência de palatabilidade do consumidor e, consequentemente, apresentam grandes riscos caso algumas destas características não estejam aceitáveis.
De acordo com os especialistas norte-americanos, se qualquer um desses fatores falhar, a palatabilidade da carne imediatamente sofre um fracasso.
Os resultados do referido estudo tiveram como embasamento uma regressão multivariada, que é um modelo explicativo que estabelece uma predição matemática, comparando a contribuição relativa que um conjunto de variáveis tem, as quais são aspecto tenro, suculência e sabor, na experiência de comer carne.
No referido estudo, foram submetidas a teste mais de 1.500 amostras de carne, e foram analisadas as respostas de 1.800 consumidores.
Os resultados do estudo relataram os seguintes valores (43,4%, 49,4% e 7,4%) para o aspecto tenro, o sabor e a suculência, respectivamente. Além disso, foram analisadas as possibilidades de que essas amostras estivessem inaceitáveis, demonstrando que o aspecto tenro, a suculência e o sabor têm entre 7,2, 6,5 e 12,3 vezes mais chances de fracassar.
O estudo supracitado também demonstrou que cerca de 88% das amostras de carne classificadas como PRIME pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) e aproximadamente 75% das amostras de carne classificadas como USDA SELECT apresentaram-se aceitáveis quanto às características de palatabilidade.
Os Estados Unidos, hoje, contam com quase 80% de carnes com os selos PRIME e CHOICE, ao passo que, em 1995, contava apenas com 52% (dados extraídos da Auditoria Nacional de Qualidade da Carne Bovina de 1995), o que denota um crescimento no interesse dos produtores de não apenas selecionar e criar gado de acordo com essa categoria, mas também de atingir estas classificações.
O estudo também analisou o importante papel da gordura intramuscular (ou marmoreio) na palatabilidade da carne. A escala desse fator apresentou uma variação entre 14% e 16%, incidindo na variação de cada atributo de palatabilidade entre 17% e 21%. A utilização dessa característica como única forma de prever a qualidade da carne é, por enquanto, um desafio, visto que existem muitos outros fatores que impactam na palatabilidade.
Para entender ainda mais sobre a qualidade da carne e seus aspectos mais importantes, consultemos, por hora, um gráfico de Purslow, de seu livro New Aspects of Meat Quality (Tradução livre: "Novos Atributos da Qualidade da Carne"), que é a “pirâmide de necessidades”. Ela apresenta uma lista de necessidades básicas dos consumidores quando da escolha de elementos de qualidade.
Na base da pirâmide, encontra-se o abastecimento adequado de carne para todos os consumidores. Em outras palavras, se o fornecimento é seguro e suficiente para todos. A etapa seguinte diz respeito ao fato de um produto cárneo ser seguro e inócuo em termos de saúde, bem como isento de patógenos e toxinas. As qualidades intrínsecas são os parâmetros nos quais se aplicam os sentidos sensoriais, como olfato, paladar e tato para que, desta forma, os consumidores percebam as características da carne.
Além disso, as qualidades extrínsecas não podem ser detectadas de forma sensorial ou física; mesmo assim, ganharam um destaque relevante na mente dos consumidores. As que são mencionadas indicam como o produto foi elaborado em relação ao cuidado com o meio ambiente, a sustentabilidade, as boas práticas de manejo, as medidas de saúde e inocuidade e o uso ou não de pesticidas.
Cada nível atinge sua satisfação para que o próximo tenha início, além de que parte da pirâmide permanece aberta em relação à demanda dos consumidores, que aponta para os nichos de mercado e de maior valor agregado.
A compreensão da percepção dos consumidores e de suas necessidades é de vital importância para que seja desenvolvido um programa eficaz de produção de carne. Em razão disso, discutirei, nos próximos artigos, temas relevantes, como a seleção genética e a nutrição, os quais repercutem em toda a cadeia produtiva da carne, desde o campo até a mesa do consumidor.
O'QUINN, Travis G. et al.Evaluation of the contribution of tenderness, juiciness, and flavor to the overall consumer beef eating experience (Tradução livre: Avaliação da contribuição dos atributos de maciez, suculência e sabor a respeito da experiência de palatabilidade geral dos consumidores). Translational Animal Science, Lubbock, Texas, v. 2, ed. 1, p. 26-36, fevereiro 2018. DOI 10.1093/tas/txx008. Disponível em: https://academic.oup.com/tas/article/2/1/26/4825065. Acesso em: 18 maio 2020.
PURSLOW, Peter P. New Aspects of Meat Quality: From Genes to Ethics (Tradução livre: Novos Atributos da Qualidade da Carne: da Genética à Ética). Cambridge, Inglaterra: Woodhead Publishing, 2017. 744 p.
O Dr. Abel Forlino é diretor e fundador da Wagyu 360, uma empresa dedicada ao desenvolvimento e assessoria da produção e comercialização de carne Wagyu e carnes de qualidade. O editorialista desenvolve projetos voltados à produção tanto em sua terra natal, Argentina, como no Equador, Estados Unidos e em outros países.
Ele é especialista nas várias etapas da cadeia de carne, com ênfase em genética, reprodução e manejo animal, bem como tem know-how técnico sobre os processos de produção de carne, do campo à mesa do consumidor, com o intuito de elaborar produtos de alto valor agregado. Tem graduação em Ciências Veterinárias pela Universidade Nacional do Litoral, na província argentina de Santa Fé.
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